As Hortinhas da Parcela 20 – Parte 1
Eis como os agricultores do “Grupo da 20”, em seis depoimentos (divididos em duas crónicas), entusiasmarão qualquer um a tornar-se hortelão citadino.
O princípio:
Finalmente alguma coisa vai nascer do outro lado da rua! Há movimentação de máquinas no terreno que durante anos se encheu de ervas e para onde estava prevista a construção de mais edifícios. O que será? Não, não é mais construção… vai ser um Parque Hortícola! Já vou poder ter uma horta!!! Mas a trabalhar a tempo inteiro e tendo a noção do trabalho e da exigência que uma pequena parcela de terra dá (80m2 parece mas não é pequena), quis garantir antecipadamente que iria ter alguém com quem partilhar esse espaço. Claro que isto foi o mais fácil e de 3 candidatos antes do concurso, passámos a 6, às vezes 7, dedicados e inspirados hortelãos que se esforçam por ter a “hortinha” mais linda do talhão 20 e que aqui, também contam as suas aventuras e desventuras…
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Nascida e criada num andar, citadina e urbana de criação e coração, sempre tive, no entanto, uma atração pela terra que, durante muitos anos, se traduziu no plantio de espécies não comestíveis em vasos espalhados pela casa. Graças a uma colega de outras atividades (não rurais), vi-me inserida no simpático grupo da Parcela 20 onde pude experimentar a nobre e bela arte do cultivo. Uns mini cursos, umas dicas, uns rápidos conselhos e eis-me, de enxada em riste, rasgando a terra enovelada de grama e ervas. No primeiro ano, foi a descoberta…comecei a conseguir distinguir a erva daninha da fava e, alguns meses depois, descobri que as fantásticas sementes de beringela que tinha semeado tinham não só crescido lindamente como estavam carregadinhas de frutos redondinhos cada vez mais parecidos com tomates. Quando a cor já não enganava, que o vermelho, a forma e o sabor nada tinham de beringela, considerei-me uma perita: nunca mais confundiria as duas plantas! E é assim que tem continuado: cada ervilha é uma descoberta, cada piolho um inimigo e cada caracol um alvo a esmagar; a meteorologia tem outro significado e o gosto dos legumes, mirrados muitas vezes, é muito melhor! Não há agora dúvidas, este Parque Hortícola transformou-me numa citadina urbanó-rural de coração!
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Um dia, ao pôr-do-sol, a melhor hora, digo eu, para ir à horta, estava a afinar as ligações da mangueira. A mangueira é uma problemática muito importante na horta. É preciso ter. Mas não basta, é preciso ter, a funcionar. Ele é o calibre, eles são os acessórios, o caudal, etc. Portanto, estava eu a tratar daquelas coisas, corta mais uma ponta, experimenta mais uma união, quando aquilo explode tudo num grande gaiser, que me deu um grande banho. E, se a hora era boa para as operações culturais, já não o era tanto para estar com a roupa encharcada ao sabor da brisa do fim da tarde.
Outra das sensações mais fortes da horta, tem sido, talvez motivadas pela velhice, as tonturas que me surgem depois de permanecer de cócoras a catar as ervas, que umas vezes são daninhas, outras são plântulas de comestíveis que não consegui distinguir (tenho faltado às explicações). Quando me levanto, são luzes, são sensações que me fazem parecer estar a navegar em mar alto em dia de tormenta…
Não sei se são estas as sensações mais previsíveis derivar do maneio da horta, mas foram as que me assaltaram. Talvez confirmem que por ali há uma imensidão de hortelãos melhores que eu…
- Continua na próxima crónica -
O Parque Hortícola nasceu em Telheiras há quatro anos. Uma vez por mês, os hortelãos do bairro deixam a terra e dão uso à caneta. Talhão a talhão, contam-nos os segredos da horta. A alegria da sopa de legumes, o cansaço do cuidado. Enfim, as histórias e aventuras de quem é da terra na cidade.