As Hortinhas da Parcela 20 – Parte 2
Eis como os agricultores do “Grupo da 20”, em seis depoimentos (divididos em duas crónicas – leia a primeira aqui), entusiasmarão qualquer um a tornar-se hortelão citadino.
Já não me lembrava que uma alface verdadeira, nascida e criada na terra, chega à bancada da cozinha obviamente suja de terra. E a cheirar a terra. E, frequentemente, também com lesmas… esses bichinhos moles que sempre me causaram repulsa. Antes, gostava de comer caracóis. Agora, parecem-me lesmas dentro de uma concha.
Nasci na cidade e não tenho família do Norte. Na minha casa não era costume refeições com couves. Finalmente, aprendi a distinguir uma “portuguesa” de uma “galega” e descobri a “chinesa”. Na família, já tenho o estatuto de fornecedora de couves para a Roupa Velha na época natalícia, que orgulho! Qualquer dia ganho coragem e tento fazer um caldo verde… por agora aplico-me na confeção da sopa de beldroegas à moda do Alentejo, matéria-prima que abunda na horta e nem é preciso semear.
Se alguma vez tiver uma casa com jardim, não vou querer um relvado com o maldito escalracho. Aliás, nem sequer será um jardim, vai ser uma horta florida!
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Emoções da horta:
- Hoje só se rega a horta, ou acabo também eu aspergida de alto abaixo?
- Joaninhas!!! A horta está cheia de joaninhas! A felicidade das coisas simples carregadas de significado.
- As primeiras papoilas…e logo junto ao meu talhão. Grandes esplendorosas, rubras e infinitamente precárias.
- Se puxar bem, com cuidado para não partir, da superfície à mais pequena radícula, este violentador escalracho, virá agarrado na ponta um australiano lá das antípodas?
- Se for à praia e não for regar…morre aquilo tudo?
- E que dizer da alegria, do prazer de uma couve que é flor ver nascer e espante-se reparar que fantástico o sabor.
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Plimp! Plomp! Plump! E das minúsculas e insuspeitas bolinhas primeiro um espreito de verde, igual a qualquer outro. Depois um início de forma, talvez daninha, talvez alface, quem sabe couve. Mais tarde o esperado manjar, sempre estupidamente saboroso, mesmo que injustamente se diga igual a todos os outros. Mas é produto dedicado, apaparicado pelas mãos na terra, adubado com amizade cúmplice nascida da partilha de pequenos truques, remotos saberes e tempo de estar. E também a beleza dos terrenos que de expectantes se viram rusticamente ordenados pela luta entre o dominador querer e o natural acontecer. E uma mescla crescente de cores, transformadora da paisagem, ocupa de espaço, ajuda-nos também a crescer dentro, em serenidade, silenciosamente. Mas acima de tudo esta vitória interior do poder de criar, prazer supremo do Homem enquanto ser. E queremos voltar, fazer parte da terra, plantar, fazer crescer, multiplicar. Porque da próxima vez será melhor; mais como eu quero e menos o acontecer. Ou talvez não… mas isso já é o que menos importa. E tudo isto por causa de um talhão 3×1 de horta em Telheiras.
O Parque Hortícola nasceu em Telheiras há quatro anos. Uma vez por mês, os hortelãos do bairro deixam a terra e dão uso à caneta. Talhão a talhão, contam-nos os segredos da horta. A alegria da sopa de legumes, o cansaço do cuidado. Enfim, as histórias e aventuras de quem é da terra na cidade.