
Espanholita? Não, obrigada
É muito frequente, desde a minha chegada a Lisboa, sentir as pessoas dizerem “olha lá, a espanholita!”. Já há seis anos, quando eu tirei cá o meu Erasmus, eu era conhecida assim na minha faculdade. Mas por acaso nunca ninguém percebeu a minha cara de frustração perante tal coisa! Espanholita, eu? Desculpem lá, eu sou galega, não tenho nada a ver com essa coisa do espanholismo, pela contrário tenho muito mais em comum com a cultura lusófona do que muitos de vocês acham! Portanto, vou tentar fazer uma terapia através desta crónica e explicar porque é que muitas pessoas, especialmente da Galiza, odiamos completamente tal expressão de “espanholita”,
A Galiza, como a Cataluña ou o País Vasco –por exemplo-, tem uma identidade própria (nada a ver com a cultura espanhola), uma língua própria (no ponto a seguir vamos falar sobre isso), música e danças tradicionais muito parecidas com as do Norte do Portugal, uma paisagem verde e azul, de mar e montanha, e uma comunidade de pessoas nascidas e crescidas com os estereótipos que os galegos têm na Espanha (parvos, incultos, “aldeãos”) e a luta por conservar o nosso orgulho sem querer ser chatos com o resto da península.
A nível politico, existem pessoas que, infelizmente (e dentro deste grupo inclui-se o governo da Galiza) apostam mais na união com o resto da Espanha e desvinculação por completo da cultura, língua e tradições próprias tão ricas que a Galiza tem, do que na manutenção dentro do estado espanhol, mas com uma política de conservação e valorização do património cultural material e imaterial galego.
Existem outras pessoas, não muitas mas bastantes, que acham e defendem a luta por conservar e valorizar tudo o que a Galiza é, por preservar a nossa língua, por tocar as nossas músicas, por cuidar dos nossos montes e do nosso mar, por cuidar das pessoas mais velhas – homens e mulheres sábias e conhecedoras das nossas tradições e histórias- e das pessoas jovens – aquelas que, por causa das políticas atuais, se vêem obrigadas a sair da Galiza. Estas pessoas, a última coisa que gostam, acreditem, é ouvir dizer “oi, espanholita!”. Nós sempre nos sentimos muito mais portugueses do que espanhóis, por termos muito mais em comum do que diferente!
Há um facto importante em relação à situação da língua. As políticas do nosso governo visam quase proibir o ensino da língua galega nas aulas. A Extremadura, com apenas meio milhão de habitantes, é a região com maior número de estudantes de Português. Através do apoio institucional e da proximidade geográfica, são cerca de 20.000 cidadãos a aprender a escrever com ‘nh’ e ‘c’, entre as Escolas Oficiais de Línguas e a disciplina de Português no ensino obrigatório. Apesar da facilidade que dá a língua galega, a realidade é que na Galiza o total de alunos portugueses é inferior a 2.000, de quase três milhões de habitantes. Existem apenas 800 jovens a aprender Português nas Escolas Oficiais de Línguas e nas escolas públicas (eram 1.104 em 2011-2012, 18% mais que no ano passado). O governo não abre vagas para professores de Português na Galiza e em apenas 25 centros é oferecido o estudo opcional da língua, o qual sempre depende inteiramente do voluntarismo de professores de outras disciplinas. Ainda bem que há umas semanas foi, finalmente, aprovado uma lei que “obriga o Governo galego a introduzir o português no ensino e a estreitar laços com os países da lusofonia.”
Para além de tudo isto, somos muitas as pessoas da Galiza e do resto da Espanha conscientes do conflito invisível entre portugueses e espanhóis. Sabemos que são muitos os turistas de Espanha em Portugal a berrar nos cafés e sem serem capazes de dizer um “obrigado”. Sabemos que são muitos os estudantes Erasmus de Espanha a fazer patriotismo espanhol nas noites lisboetas, sabemos e conhecemos todos esses tópicos que vocês, portugueses, odeiam, mas deem-nos uma oportunidade. Nem todos somos iguais, nem, por acaso, todos nos sentimos assim tão espanhóis. Há pessoas que adoram Portugal mais do que muitos portugueses. Há pessoas que levam tempo a aprender esta língua, há pessoas que desistem dos nossos empregos em Espanha só para vir morar cá porque há qualquer coisa neste país que adoramos! E para quem já me chamou espanholita, lembrem-se que para muitas de nós isso é quase um palavrão. Nós gostamos mais de “galeguinha!”.
María Mascuñana
A Isabel e a María são duas jovens do Norte de Espanha que colaboram com a Associação Viver Telheiras através do Serviço de Voluntariado Europeu.
María, galega e de coração transatlântico, é educadora social, curiosa e viajante. Depois de morar um ano em Lisboa, cidade que a fez “alfacinha”, passou a trabalhar em diferentes entidades sociais e educativas da Galiza para finalmente voltar a terras lusas através do Serviço de Voluntariado Europeu.
A Isabel, do norte de Espanha, é comunicadora 2.0 com experiência em agências de comunicação, media sociais e espaços de coworking, mas à procura do seu lugar no setor social. Ansiosa por aprender a língua portuguesa e conhecer a cultura, chegou a Telheiras, e durante um ano vai viver aqui a sua experiência de Voluntariado Europeu. Gosta muito de cozinhar, de música e de viagens.
“De Telheiras para o mundo” é um conjunto de crónicas sobre as suas vivências e reflexões inspiradas no bairro de Telheiras e na cidade de Lisboa.
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