Viver Telheiras

Book Crew Telheiras #1 – “Perguntem a Sarah Gross”, de João Pinto Coelho

/ Outubro 19, 2022

Todos os meses, um membro da Book Crew de Telheiras, clube de leitura do nosso bairro, vai dar-nos a conhecer um pouco sobre os livros que têm lido. As imagens que evocam, as sensações que despertam, as histórias que emocionam, os contextos em que surgem, as relações que são criadas com os livros: tudo isso faz parte desta rubrica.

Nesta primeira partilha, Ana Crespo de Carvalho fala-nos sobre o livro “Perguntem a Sarah Gross”, de João Pinto Coelho, que foi lido pela Book Crew de Telheiras em Maio:

“Queres vir a Cracóvia e Auschwitz no Verão?” – foi este desafio de uma amiga, feito no final de 2021, que me levou a conhecer o João Pinto Coelho, escritor e o seu livro “Perguntem a Sarah Gross”.

Apesar do meu interesse, quase obsessivo, por temas ligados à guerra e mais ainda à II Guerra Mundial, apesar de ter lido tanto sobre o Holocausto, apesar deste tema me interpelar até ao limite do que pode a alma, nunca tinha tido verdadeiramente coragem para ir a Auschwitz (ou Dachau ou Bergen Belsen). Desta vez não poderia evitá-lo, desafio mais claro era impossível e acresce que a amiga que me desafiou é de ascendência judaica. Tratava-se de realizar uma “viagem literária” num grupo animado pelo João Pinto Coelho, que nos conduziria pelos trilhos que acompanharam uma parte da vida deste personagem, que desconhecíamos, mas que ficaria a fazer parte da nossa: Sarah Gross.

A viagem acabou por não se realizar; a guerra levou a muitas desistências e o grupo com quem eu viajaria não teve suficiente adesão pelo que a minha ida a Auschwitz ficará para um outro tempo.

Mas o livro foi lançado no nosso clube de livros, o Book Crew de Telheiras, e abalançámo-nos a lê-lo com curiosidade e expectativa. A ideia da viagem literária, o tema – Holocausto – abordado por um escritor português, algo que nos parece uma raridade, a certeza de que não se tratava de mais uma obra da série “ o cozinheiro/ a modista/ o palhaço.. de Auschwitz “ (desculpe quem me lê mas acho que se vulgarizou o tema e o mal neste enquadramento) animou-nos a embarcar nesta leitura.

Numa breve sinopse, a história começa em 1968, quando Kimberly Parker, uma professora de Literatura, atravessa os Estados Unidos para ir ensinar num colégio elitista da Nova Inglaterra, dirigido por uma mulher carismática e misteriosa chamada Sarah Gross. Ambas trazem às costas os seus segredos, ambas passeiam uma vida exterior na qual se esconde uma outra vida, primeira e identitária. E é quando Kimberley decide enfrentar os fantasmas que com ela co habitam que se atinge o clímax da narrativa com o momento, (enfim!) de revelação e um desfecho inesperado.

Gostei da estrutura do livro, em que se desenvolvem duas histórias, em espaços e tempos diferentes (Polónia desde o início do século XX passando pela criação e desenvolvimento da comunidade judaica antes da II guerra mundial até ao seu extermínio e, noutro país, Estados Unidos anos 60).

Sendo a história central passada em Cracóvia e depois Auschwitz (que era na realidade uma pequena cidade na Polónia chamada Oshpitzin) é inevitável acompanhar a destruição da forma de organização e de vida judaica e a desconstrução, física e moral, de milhares de judeus, reduzidos a uma condição de sub humanos e a testemunhas da ambiguidade do mal e do absurdo de uma existência que, de minuto a minuto, é posta em causa. Se há um inferno, não pode ser pior do que Auschwitz. Mas mesmo no inferno consegue romper um fio de amor e de humanidade, talvez um micrograma de compaixão. Assim testemunharam sobreviventes como Primo Levi ou Viktor Frankl. Assim nos conta Pinto Coelho através de Sarah Gross. Mas é apenas um fio, não vamos ser contentados com mais do que isso.

Num outro espaço e tempo acabamos por ser confrontados com uma narrativa bastante realista que aborda temas como o racismo ou o abuso sexual.

O livro revela um trabalho aturado de investigação, uma capacidade de escrita desafiante aliada a uma veia descritiva fotográfica ou até cinematográfica (a história pode criar um excelente filme para o streaming ou até para o grande ecrã estou certa disso).

Perguntem a Sarah Gross não é um livro perfeito. Mas afinal o que é que o é?

Aos apressados; as primeiras 100 a 200 páginas vão-se lendo em slow motion, apreciando uma cuidada descrição histórica que revela investigação e rigor mas que por vezes sabe a pouco em termos de acção.

Aos fanáticos do Holocausto: as duas histórias que se desenrolam, na Polónia e nos Estados Unidos, não são verdadeiramente originais e misturam talvez demasiados temas que mereceriam só por si outras histórias e outras obras.

Mas foi surpreendente e enriquecedor ler esta história sobre o fim e o recomeço da humanidade, uma narrativa intensa, uma provocação de sentimentos e a construção da memória, na nossa língua materna, que enquanto permanecer não será certamente repetida.

Se se quiser juntar à Book Crew de Telheiras, basta enviar mensagem através da página de instagram @book_crew_de_telheiras. Boas leituras!

#1 perguntem a Sarah Gross IG
/ Outubro 19, 2022

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