
Descubra as semelhanças entre um humano de carro e um cão de trela!
Já alguma vez ficou enraivecido no trânsito e buzinou por algo tão simples como o facto de o condutor da frente não avançar no primeiro segundo do sinal verde? Ou por não pôr o pisca e virar de repente? Ou, aquilo que me deixa fora de mim, quando há carros parados em segunda fila que não nos deixam passar?!
Porque será que esta raiva vem tão facilmente ao de cima por coisas tão simples que, seguramente, seriam conversadas e solucionadas com calma se fossem entre duas pessoas a andar a pé?
Identifiquei três factores que penso que estão na base desta nossa reactividade dentro do carro que são também factores que influenciam os nossos cães a serem reactivos relativamente a outros cães.
1. Ambiente com demasiados estímulos
2. Falta de percepção de controlo
3. Dificuldades de comunicação
Conduzir um carro implica estar atento a inúmeros estímulos que, se não forem tidos em conta, podem tirar a vida a alguém. Independentemente da experiência e da facilidade na nossa condução é imprescindível ver se nenhuma criança, cão, ciclista, mota, carro, camião ou mesmo um buraco na estrada passa despercebido para garantir o bem-estar de todos. Por isso, para a maioria de nós, há sempre algum stress associado à condução, advindo desta invasão esmagadora de estímulos. O stress deixa-nos mais irritadiços, mais facilmente reactivos à mínima coisa.
E com os cães? Só para sair de casa, depois de horas a acumular energia para descarregar no passeio, é preciso corresponder ao colocar da coleira, da trela e outras rotinas obrigatórias. Durante o passeio é preciso ouvir e, pior sentir, uma quantidade exorbitante de “Psst”, ”Não!”, “Está quieto!”, “Não puxes!”. E claro, é imprescindível estar atento a todos os barulhos, cheiros, pessoas e cães que existem na rua, não fosse este o objectivo do passeio! Todos estes estímulos, em que muitos são até aversivos, geram stress, tornando os cães mais susceptíveis a ficar reactivos a qualquer coisa.
Parece-me que falta de percepção de controlo na estrada depende do nível de confiança (ou abstracção) que temos na condução. Pode surgir quando pensamos que a qualquer momento pode vir algum louco na estrada e pôr a nossa vida em perigo. A garantia de segurança na estrada só existe na cooperação entre todos e não basta assegurar-me que eu conduzo bem para que não haja acidentes. Se estou num ambiente stressante e a minha segurança não depende só de mim, pode surgir uma necessidade extra para assegurar que os outros não erram e daí tornar-me menos tolerante ao que os outros fazem.
Será interessante estudar até que ponto os cães conseguem sentir e projectar-se nesta forma de pensamento, mas gostaria de comparar esta falta de percepção de controlo ao simples facto de os cães não terem total controlo do seu corpo quando estão atrelados a nós. Ou seja, de não saberem quando vão levar um puxão, de não saberem em que direcção vai ser esse puxão ou com que intensidade. É bem possível que seja motivo suficiente para surgir uma necessidade de defesa extra que se reflecte em intolerância e reactividade.
Imagine alguém que tem medo que outro cão possa vir a magoar o seu que é, por exemplo, cinco vezes mais pequeno que o cão que se aproxima. Mesmo que seja numa tentativa de evitar algum acidente, basta um único puxão para cima e o cão perde, literalmente, o chão! Quão instável deve isto ser? Não ter controlo do próprio corpo?! Cada caso é diferente mas esta é, sem dúvida, uma boa razão para qualquer cão de pequeno porte, que costuma passear de trela, seja mais irritadiço. Além disso, se estes puxões acontecem maioritariamente na presença de outros cães, então é melhor afastá-los assim que aparecem!
O caso já está mal parado, mas se ainda por cima perante este stress e instabilidade, não for possível conversar educadamente pior ainda.
Quando estou no trânsito e alguém me buzina, fico logo mais irritada. Mas se, noutra situação, alguém levanta os braços de forma chateada, e diz qualquer coisa para o ar, minha reacção imediata é analisar o que poderei ter feito e provavelmente levantar a mão a pedir desculpa ou agradecer a tolerância. Existe, claro, um código da estrada para nos entendermos, mas não é a mesma coisa. Metal, luzes e buzinas levam mais facilmente a mal entendidos… Nada como olhar nos olhos para comunicar com clareza e evitar o conflito.
Com os cães é igual. Eles usam o corpo para conversar. A direcção, o movimento, as posturas e expressões corporais dizem imenso! Mas com uma trela que lhes bloqueia a comunicação ou até os leva a dizer coisas que não querem, é muito provável que haja más interpretações e que daí surjam conflitos!
Resumindo, um contexto stressante onde há demasiados estímulos e instabilidade e onde não é possível comunicar, é um contexto que potencia reactividade entre cães (e pessoas!). É injusto responsabilizar apenas o cão por ter comportamentos agressivos e exigir que ele mude sozinho, ou pior, que mude porque adicionámos ainda mais stress através de castigos. Sugiro que nos dediquemos a analisar o contexto em que essa reacção ocorre e trabalhar a partir daí.
No mês passado, tive o prazer de participar num workshop sobre agressividade com o Treinador Santi, na Petfun, em Coimbra, de onde vim inspirada a observar e analisar cada caso de agressividade antes sequer de começar o treino. Deixo a referência do seu livro que aconselho a todos os que vivem com cães: “Sobre perros que dejaron de morder, cuando las personas empezaron a escucharles”, de “Santi” Jaime Vidal Guzmán.

Além da Trela tem como missão promover uma relação excelente entre donos e os seus cães, com base na confiança, respeito e alegria, através de técnicas positivas de aprendizagem.