Viver Telheiras

O ciclista urbano

O Ciclista Urbano / Julho 2, 2013

São 8h da manhã. Um já-não-tão-jovem homem, dos seus trinta e muitos anos sai de casa, com uma bicicleta de ciclismo ao seu lado. Olha em redor, sente o ar ainda fresco, o sol radiante mas ainda morno a bater-lhe na face e pensa, “que grande dia para pedalar para o trabalho”.

Com desenvoltura monta-se na bicicleta e dá as primeiras pedaladas com vigor, como que se quisesse afirmar, “cheguei e faço parte do trânsito”.

No primeiro entroncamento entra com eficácia e suavidade no trânsito da rua principal da sua zona. O trânsito parou para um peão atravessar a passadeira e a bicicleta surge com o seu charme e passa depois do peão sem lhe causar perigo ou agressividade.

No primeiro semáforo o trânsito adensa-se e o ciclista passa por entre os restantes veículos usando toda a sua elegância de forma e de movimento. Na cabeça da fila, antecipa-se ao verde e ganha a vantagem inicial suficiente para fugir aos fumos da largada dos poluidores automóveis. No cruzamento seguinte entra numa ciclovia. Não é fã deste tipo de solução, mas usa-as que não lhe retiram segurança, conforto e eficácia na sua deslocação.

O ritmo a que segue é moderado. Vai vestido para trabalhar, com excepção da camisola que é desportiva e mais respirável, e terá que chegar ao seu trabalho, a 18km dali, em condições de higiene aceitáveis, embora mesmo assim vá necessitar de um pequeno “tratamento” antes de se apresentar aos demais colegas.

No parque tecnológico em que trabalha vive-se um ambiente empresarial e o carro é quase obrigatório, seja pelo status seja pela necessidade de chegar a um local remoto e mal servido de transportes públicos. Ali a bicicleta é um ser estranho e deve ser vista como algo para deslocar alguns desfavorecidos que nem para o passe têm dinheiro.

Atravessando uma zona central, circulando num corredor BUS, a sua presença é notada pelos transeuntes. O meio de transporte que usa é despido e isso torna-o humano. É uma pessoa que vai ali, à mostra, com emoções, expressões faciais, há contacto visual, há vida naquele meio de transporte.

Passado pouco mais que uma dezena de minutos desde que saiu de casa, o ciclista chega à estação de comboios onde vai apanhar um comboio que o levará para mais perto do seu destino. A boa frequência com que passam comboios deixa-o despreocupado com os horários, tornando a sua viagem livre de constrangimentos temporais.

Desta vez, surpreendentemente chega a tempo de apanhar o comboio anterior ao que tinha previsto, fruto da temperatura mais fresca sentida aquela hora que permitiu pedalar com maior vigor.

Na estação entra semi-desmontado em suave deslize das últimas pedaladas.

Depois de validar o bilhete sobe ao apeadeiro tranquilamente com a bicicleta a seu lado. No apeadeiro tem tempo ainda para folhear um jornal gratuito enquanto aguarda sentado pelo comboio que chega no minuto seguinte.

Uma vez no comboio, na zona habitual, encosta a bicicleta a três bancos corridos e senta-se junto à janela onde recebe novamente o ainda tímido sol da manhã. O sentido em que vai o comboio, do centro para a periferia, é demonstrado pelo vazio de passageiros. Apenas outro passageiro se encontra perto.

É nesta altura que o ciclista faz a sua primeira refeição. A relativa pressa com que sai de casa apenas lhe permite preparar um pequeno-almoço para levar e a vontade de o comer muito cedo também não é muita.

Ali, tranquilo, pode finalmente apreciar a refeição. Distraído enquanto se alimenta, grande parte da viagem de 16 minutos desaparece. Mais uns minutos e chega ao seu destino.

Novamente no chão, sai calmamente do apeadeiro, atrás de todos os peões que fazem o mesmo. 30 metros depois volta a montar e a pedalar, voltando a sentir aquele prazer da simbiose homem-máquina que só a bicicleta permite.

Mais à frente passa numa passagem desnivelada para peões que passa sobre uma das estradas com maior circulação da Europa. A fila no sentido da urbe é interminável. O reflexo do sol funde todo aquele metal numa peça única, como se uma grande serpente metálica e brilhante se estendesse sobre aquela estrada. Paralelamente a toda aquela realidade o ciclista segue o seu caminho, metido consigo próprio mas misturado com tudo o que o rodeia, vivendo cada metro daquela viagem.

Neste troço a viagem endurece. O bairro-dormitório por onde passa foi construído numa verdadeira encosta e do outro lado está o seu destino. Calmamente vence a inclinação, pedalando levemente, recorrendo-se das mudanças mais leves da sua bicicleta. Num declive mais acentuado, apeia-se durante umas dezenas de metros, atalhando caminho e poupando umas gotas de transpiração.

Até chegar ao cume, o ciclista é o mais lento da via. Sem vergonha segue o seu caminho, lento mas determinado, mas sempre motivado pelo que o leva a estar ali, o prazer de andar de bicicleta e o prazer de não andar de carro no meio do trânsito.

Uma vez no cume, avista o seu destino. Vários amontoados de betão e uma via cheia de formigas metálicas correndo na sua direcção. A descer é o mais rápido da via, passando ao lado da fila em direcção à grande rotunda que gere vários fluxos com muitos automóveis e agora também uma bicicleta.

A entrada no parque tecnológico é feita ultrapassando mais uma vez umas dezenas de automóveis, cheias de executivos, bem vestido e cheirosos. Ali ao lado, segue este ciclista, sem dress-code e sem cheiro a perfume mas completamente sem stress e desenlatado.

Uma centenas de metros à frente o cliclista entra na garagem subterrânea do edifício onde trabalha e estaciona a bicicleta num dos dez lugares de bicicletas que conquistou com o seu activismo interno. Hoje é só a sua bicicleta que lá está, mas o futuro poderá trazer mais uma quantas.

Enquanto sobe os três pisos pelo elevador limpa as pouco sociais gotas de transpiração. Usa o elevador só por isso, como sala ascendente de pequenas limpezas. Já no corredor, apenas a sua camisola de Lycra o denuncia como ciclista. O sorriso semi-rasgado poderia ser de outra coisa, mas quem o conhece percebe a razão do mesmo. Ele foi de bicicleta para o trabalho.

César Marques

O Ciclista Urbano / Julho 2, 2013

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