
Votar: o meu dever, a tua escolha. O meu respeito, o teu respeito.
Saímos de casa de peito inchado, de orgulho no dever cívico que nos preparamos para cumprir. Ser um direito já nos ultrapassa as ideias. Chegados a 2015, ser um dever tornou-se um ponto de honra e de mudança pessoal. O voto ganha contornos de Super-Homem, com uma força paranormal de decisão inequívoca, recusando-se a ser um papel com uma cruz torta lá mal metida.
Em Telheiras mudaram-nos o número de eleitor e fizeram-nos regressar às escolas do bairro. As filas multiplicavam-se à porta das salas de aula, como se EVT fosse afinal the next big thing e todos se atarefassem para saber mais sobre desenho, cores primárias ou como perspectivar naturezas mortas.
Felizmente – neste caso – crescemos, deixámos de esperar pela s’tora e fizemo-nos importantes no que decidimos. Tornámo-nos “maiores” e somos capaz de mais do que absorver o conhecimento que nos queiram passar – agora podemos participar nesse conhecimento, ter opinião, procurar outro, mais, criar, construir e fazer parte. É isso que ser cidadão significa.
E portanto lá estávamos todos alinhados, encostados às paredes de cacifos coloridos, de Cartão do Cidadão na mão, aguardando civilizadamente a nossa vez. Com uma alegria comovente nos olhos, de passos certos, vontade convicta, olhar focado.
Estávamos todos focados. Íamos determinados a mudar o Mundo.
E mudou. Entre as 20h e as 23h do último domingo as televisões fizeram saber que a Esquerda tinha ganho (maior) espaço no Parlamento e que a coligação não perdera tanta força quanta o povo afirmava nas reportagens de rua. As sondagens já antes o previram, mas não havia quem acreditasse…
No final de um dia tão importante, o desalento de alguns deu lugar ao fanfarronismo de outros. No Facebook os ofendidos pelo voto dos outros apontavam-lhes o dedo, por serem avessos à mudança, por serem ricos, por serem egoístas. Do outro lado, o pedido de compreensão e calma, o insulto em espelho, o direito de expressão e o direito de voto.
Sim, o direito de voto. E o direito público à opinião.
Nesse dia todos nos levantámos da cama com a sensação de que seríamos parte dessa mudança. Nesse dia acordámos e escolhemos em consciência – usufruímos do nosso direito. E a nossa vontade, a colectiva, foi ouvida. Para o bem ou para o mal, o Mundo mudou porque escolhemos assim.
Mas depois desrespeitámo-nos arduamente. Acusámos os que conseguiram mandar mais do que nós e ofendemos de volta aqueles que não gostaram da nossa decisão.
Perdemos o orgulho no nosso dever cívico.
Eu peguei em mim e fui jogar bowling, passava das dez da noite.
Joana Martins é especialista em redes sociais e multimédia e vive em Telheiras desde que se lembra. Fala muito e escreve menos do que gostaria. Mas em tudo o que escreve há-de haver sempre um denominador comum: as pessoas.