Entre as duas e as quatro rodas
Depois de, na semana passada, o nosso vizinho César Marques nos ter falado do seu bichinho pela bicicleta, hoje fomos-lhe perguntar sobre um dos potenciais aborrecimentos para quem se faz à estrada de duas rodas: o convívio com os carros.
Muitos automobilistas vêem com maus olhos a utilização da estrada pela bicicleta. Concordas?
Não sei se serão muitos ou poucos, mas são em número suficiente para nos preocupar. Em Portugal, nas últimas décadas, a bicicleta esteve apenas associada ao desporto e ao lazer e isso ainda contribui para o automobilista comum associar aquela ocupação da via como algo que não é necessário, algo que poderia ser evitado.
Por outro lado, esta longa saída de cena da bicicleta fez com que uma série de coisas inconcebíveis acontecessem. O legislador deixou de se preocupar com este tipo de veículos, as autoridades nem se lembram dessas já velhas leis (há relatos de ciclistas dizendo que o polícia os mandou circular para o passeio), nas escolas de condução não se alerta para este tipo de veículos, etc, etc… que nos trouxe até aos dias de hoje, com a bicicleta a ter sido esquecida. Aconteceu o mesmo com os discos de vinil, mas o problema é que com as bicicletas e ciclistas o assunto é bem mais sério. De repente, começam a aparecer bicicletas a “competir” com os automóveis nas mesmas vias, sem que os automobilistas respeitem ou estejam preparados para lidar com estes veículos especiais e vulneráveis. Respondendo à pergunta, Sim, concordo, percebo que haja razões, mas não ilibam quem pensa assim.
Uma história em Telheiras: Seguia calmamente de bicicleta, numa calma tarde de sábado, e um automobilista decidiu buzinar-me como se eu não pudesse estar ali, na via. Logo de seguida um peão interpelou-me para me dizer que o automobilista tinha razão porque eu nem sequer tinha matrícula. A matrícula para velocípedes já não existe há décadas…
Que estratégias vês (a nível de políticas públicas e a nível individual) para melhorar a relação entre automobilistas e ciclistas?
A nível público a estratégia tem falhado, na minha opinião. Hoje, chegamos a um estado que, na opinião pública, se acha que para se andar de bicicleta se precisam de ciclovias. Com esta política segregadora, os automobilistas entendem que o lugar do ciclista é nas ciclovias e não nas “suas” vias, mas como é impossível forrar a cidade com ciclovias, naturalmente que os ciclistas têm que usar as vias “normais”, juntamente com os automóveis. Ao não se atacar o que realmente gera conflito e insegurança (para os ciclistas, mais vulneráveis), a velocidade, continuamos a ter o automobilista a achar que o ciclista o empata e a fazer tudo para que o “obstáculo” fique para trás.
A estratégia que deve ser implementada deve apontar para a resolução do problema principal, a diminuição das velocidades praticadas através do redesenho das vias, para que seja fisicamente impossível andar acima do limite legal. Cruzamentos apertados, sem semáforos, passadeiras “em lomba”, ruas mais estreitas, etc, etc. É uma ciência muito desenvolvida e que tem provas dadas por esse mundo fora. É só querer, e todos os cidadãos ganham, não apenas os ciclistas.
Também a nível da legislação, no código da estrada, se deve fazer muito mais, pelo menos equipará-lo à maioria dos países desenvolvidos, onde a bicicleta é um veículo com direitos especiais devido à sua fragilidade e especificidades.
A nível pessoal, só mesmo a cordialidade, educação e respeito de ambas as partes, mas sobretudo para o automobilista, poderão contribuir para que esta situação melhore.
César Marques















